BREVE HISTÓRICO DA INCLUSÃO ESCOLAR
Claci Lima Bertuol
Com o intuito de compreender como se organizou o atendimento às pessoas com deficiência/necessidade educacionais especiais, é preciso recorrer à história e, com ela aos principais personagens, movimentos, organizações, documentos oficiais e programas especializados para o atendimento às necessidades especiais dos alunos com deficiência que serviram de base para as chamadas políticas de inclusão no âmbito escolar, entre eles, e em especial, a Sala de Recursos, caracterizada como apoio à inclusão.
Segundo Mazzotta (2005, p.15)
A defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas com deficiência é atitude muito recente em nossa sociedade. Manifestando-se através de medidas isoladas, de indivíduos ou grupos, a conquista e o reconhecimento de alguns direitos dos portadores de deficiência podem ser identificados como elementos integrantes de políticas sociais, a partir de meados deste século.
Buscando na história da educação, constata-se que até o século XVIII, grande parte das noções a respeito da deficiência eram basicamente ligadas a misticismo e ocultismo, havendo pouca base científica para o desenvolvimento de noções realísticas (MAZZOTA 2005, p.16). A falta de conhecimento sobre as deficiências fazia com que essas pessoas fossem marginalizadas, ignoradas. A própria religião, ao afirmar ser o homem feito à “imagem e semelhança de Deus”, sendo assim um ser perfeito, levava à crença de que as pessoas com deficiência por não se adequarem a essa “perfeição” eram postas à margem da condição humana.
Por outro lado, o consenso social pessimista que acreditava ser a condição de “incapacitado”, “deficiente”, “inválido” da pessoa com deficiência como algo imutável, levava à omissão da sociedade em relação à organização de serviços para atender as necessidades individuais dessa população.Assim, somente quando em um determinado momento histórico (século XIX) a sociedade apresentou condições materiais mais favoráveis, é que determinadas pessoas, leigos ou profissionais, com deficiência ou não, despontaram como líderes da sociedade em que viviam, para sensibilizar, organizar medidas para o atendimento a seus pares também com deficiências. Essas pessoas, como representantes dos interesses e necessidades das pessoas com deficiência, ou com elas identificadas, abriam espaço nas mais variadas áreas para a construção de conhecimentos e de alternativas para uma melhor condição de vida de tais pessoas (MAZZOTA, 2005, p.27).
Foi principalmente na Europa que surgiram os primeiros movimentos pelo atendimento às pessoas com deficiência, refletindo mudanças na atitude dos grupos sociais, se concretizando em medidas educacionais. Tais atitudes educacionais foram se expandindo, primeiramente sendo levadas para os Estados Unidos e Canadá e, posteriormente, para outros países, inclusive o Brasil.
Inspirados em experiências concretizadas na Europa e Estados Unidos, alguns brasileiros iniciaram, já no século XIX, a organização de serviços para atendimento a cegos, surdos, pessoas com deficiências mentais e físicas. Durante muito tempo tais atendimentos caracterizavam-se como iniciativas oficiais e particulares isoladas, refletindo o interesse de alguns educadores pelo atendimento educacional dessas pessoas com deficiência (MAZOTTA, 2005, p.27). Somente no final dos anos 50 e início da década de 60 do século XX, é que ocorre a inclusão da Educação Especial na política educacional brasileira (Id, p.27).
Em 1854 foi criado por D. Pedro II através do Decreto Imperial nº1. 428, na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje denominado Instituto Benjamim Constant (IBC), grande centro produtor de pesquisa nessa área. (idem). D. Pedro II, pela lei Nº839, cria no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Surdos-mudos, hoje denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). (Id, p.28).
Vale ressaltar a importância do 1º Congresso de Instrução Pública, ocorrido em 1883, em que um dos temas era a questão de currículo e a formação de professores para cegos e surdos assuntos que ainda são discutidos nos dias atuais. Até 1950 havia quarenta estabelecimentos de ensino comum mantidos pelo poder público e que prestavam algum tipo de atendimento escolar especial a sujeitos com deficiência mental. Outros catorze estabelecimentos de ensino comum, dos quais um federal, nove estaduais e quatro particulares, atendiam também alunos com outras deficiências. No mesmo período, três instituições especializadas atendiam alunos com deficiência mental e outras oito dedicavam-se à educação de alunos com outras deficiências e em 1947 o Instituto Benjamin Constant, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, realizou o primeiro Curso de Especialização de professores na Didática de Cegos. (Id, p.33).
Outras instituições foram fundadas até meados do século XX. No entanto, são destacadas apenas algumas, para marcar a trajetória da institucionalização e atendimento à diferença, sinalizando, inicialmente, o atendimento médico às pessoas com deficiência/necessidades educacionais especiais. A educação das pessoas com deficiência/necessidades educacionais especiais, durante muito tempo não se apresentava interessante à economia, ou como aspecto indispensável ao desenvolvimento do país. As pessoas com deficiência não eram vistas como produtivas; sua formação era voltada à sua subsistência para não ser tão onerosa à sua família e, consequentemente, ao Estado.
Fazendo um breve relato sobre a história de como eram tratadas as pessoas com alguma deficiência pode-se dizer que passaram do extermínio, do abandono, do período da exposição, o que na idade antiga não representava um problema de natureza ética ou moral, a um novo período em que podiam continuar vivas, embora ainda vistas como pessoas doentes, defeituosas e/ou mentalmente afetada. Na Idade Média, de acordo com as idéias cristãs, elas não podiam mais ser exterminadas; eram então, abrigadas em igrejas, conventos, asilos. Foi a época do asilismo, precursora do assistencialismo ainda visto na sociedade atual.
O período do organicismo surge na Idade Moderna, passando-se da filantropia para o modelo médico relacionado à deficiência.
A partir da idade contemporânea há uma nova forma de se conceber a pessoa com deficiência, constatando-se suas possibilidades de aprendizagem e desenvolvendo-se alternativas para seu atendimento educacional no sistema regular de ensino, em função de suas necessidades especiais. Essa pessoa, antes vista apenas como limitada, agora deve ser vista como alguém com potencialidades, com capacidades que devem ser desenvolvidas, com condições de viver em ambientes menos restritos, menos segregativos.
A partir dos anos 60-80 já do século XX, tem-se a proposta de um novo modelo de convivência social, tendo como princípios a individualização, a normalização e a integração. Trabalha-se o aluno com deficiência, fora do contexto social, depois busca-se integrá-lo à sociedade que não se modifica para receber esse indivíduo da forma como ele é, respeitando-se sua individualidade, suas peculiaridades. Ele é quem deve se adaptar à sociedade. Vive-se sob o princípio da integração.
Os anos 90 trazem novas mudanças na estrutura da sociedade e da educação escolar. Chega ao Brasil a nova terminologia denominada Inclusão, que já vinha sendo discutida e implementada nos países nórdicos e nos EUA – Estados Unidos da América. Surge, então, a chamada Escola Inclusiva a considerar as necessidades de todos os alunos, estruturando-se em função dessas necessidades, sendo que tal estrutura deve ser eficiente para atender a todos os alunos, nos seus diferentes níveis de ensino. A escola e o sistema educacional buscam apoio para trabalhar as diferenças, sem tirar essas crianças do convívio social.
O século XXI traz consigo a proposta de superar as situações de exclusão, reconhecendo os direitos da chamada diversidade e estimulando sua participação social plena na sociedade. Hoje muito se tem falado, principalmente no Estado do Paraná, em uma inclusão responsável envolvendo todos os setores da sociedade, principalmente no âmbito escolar. A proposta da inclusão é a de enfrentar e superar as situações de exclusão, reconhecendo os direitos da diversidade do alunado e estimulando sua plena participação social.
No entanto, mesmo havendo tentativas de efetivação de um amplo processo de inclusão escolar e, mesmo que ele seja fortalecido por vasta legislação, a marginalização das pessoas com deficiência/necessidades especiais brasileiras, continua, pois seu processo de exclusão é anterior ao período de escolarização. O Brasil é um dos países campeões em desigualdade social, ou seja, em desigualdade econômica, e isso se reflete nas condições precárias de vida de sua população.
Segundo Patto (2008, p.27)
Há explicações teóricas da marginalidade que a atribuem ao fato de que, nos países subdesenvolvidos, algumas regiões ficam de fora do desenvolvimento capitalista industrial, o que tem um efeito excludente sobre os que vivem nesses polos atrasados da economia. Em outros termos, nesses países, a população sobrante não seria despossuída pelo sistema capitalista, mas apenas agravada por ele, uma vez que, em condições subdesenvolvidas, o capital não tem condições de incorporar o excedente dessa modalidade sui generis de “exército de reserva” (grifos da autora).
Já Pereira (1971, apud PATTO, 2008, p.29-30) afirma:
O sistema econômico capitalista „periférico‟ tende a expelir, a expulsar, a extinguir (pela fome inclusive), a parte excedente desse contingente, porque dela prescinde para o seu funcionamento, em determinado estágio de seu desenvolvimento.
Portanto, a exclusão é parte inerente de uma sociedade dividida em classes e a escola, como parte integrante desta sociedade, também é excludente. Na verdade a escola exclui e pouco consegue contribuir para minimizar a miséria de seus alunos e nem é este seu papel, pois, na verdade, a escola, o processo de escolarização, devem contribuir para com a melhoria das condições de vida de todos os seus alunos por meio de uma educação de qualidade.
A falta de conhecimento da sociedade em geral, quanto às pessoas diferentes, aos marginalizados sociais, faz com que a deficiência seja considerada uma doença crônica, um peso ou um problema. O estigma da deficiência é grave, transformando as pessoas cegas, surdas e com deficiências mentais ou físicas, em seres incapazes, indefesos, sem direitos, sempre deixados para o segundo lugar na ordem das coisas. No plano governamental, falta uma política pública de inclusão séria, com mais recursos financeiros para dar suporte à inclusão, pois o que se vê são programas, propostas, leis e decretos que ficam, na maioria das vezes, só no papel.
Chauí (1.981, apud PATTO, 2008, p.34) diz:
A escola de fato inclusiva é a escola que esclarece, a partir da própria experiência dos dominados. Numa sociedade dividida, essa consciência é dividida, nem inteiramente lúcida, nem inteiramente alienada, ela é contraditória, o que deixa espaço para a reflexão que se nutre da própria contradição.
Diante de tal complexidade quanto às questões que envolvem a escola e a educação ditas “inclusivas”, há que se refletir para se compreender a sociedade, o sujeito e a educação que se tem e qual a educação que se quer. As mudanças são absolutamente necessárias, mas a reestruturação das instituições não deve ser apenas uma tarefa técnica, pois depende, acima de tudo, de mudanças de atitudes, de compromisso e disposição e muito mais que, de cada pessoa, individualmente, depende de todos, coletivamente. Na verdade nesta sociedade, o que tem sido possível são apenas experiências isoladas de inclusão que dão certo, pois a tarefa educativa transformadora é muito maior e está condicionada pelas determinações no modo de se produzir a própria riqueza material.
Para Paulo Freire (2005, p.41)
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos, nas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora, ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos capaz de ter raiva porque é capaz de amar. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros.
Dessa forma, o trabalho deve ser coletivo e direcionado à apropriação do conhecimento científico, pois assim cada sujeito com ou sem deficiência será capaz de refletir sobre a sua condição individual inserido nesta sociedade que ora, inclui ora exclui.
Na história do atendimento às pessoas com deficiência/necessidades especiais, constata-se que a preocupação com o ensino de conteúdos escolares ainda é recente. Na perspectiva da inclusão, a escola tem que se preocupar não apenas com a convivência, com as trocas de experiências, mas também e, primordialmente, com o aprendizado dos conteúdos científicos necessários e valorizados pela sociedade atual, que trabalha o tempo todo com informação e requer, cada vez mais conhecimento.
No entanto, Mantoan (2003, p. 6) diz:
Penso que sempre existe a possibilidade de as pessoas se transformarem, mudarem suas práticas de vida, enxergarem de outros ângulos o mesmo objeto/situações, conseguirem ultrapassar obstáculos que julgam intransponíveis, sentirem-se capazes de realizar o que tanto temiam, serem movidas por novas paixões... Essa transformação move o mundo, modifica-o, torna-o diferente, porque passamos a enxergá-lo e a vivê-lo de um outro modo, que vai atingi-lo concretamente e mudá-lo, ainda que aos poucos e parcialmente.
Apesar da concepção idealista que permeia a fala da autora, reitera-se que um trabalho pedagógico de qualidade contribui para a formação de cada sujeito, como ser histórico e social. É de fundamental importância a realização de uma ação pedagógica que promova a efetiva aprendizagem dos conteúdos científicos pelo aluno, pois o fato de ele frequentar a escola comum e conviver com outras pessoas não é suficiente para suprir suas necessidades especiais. Para que se torne alguém com chances de ser incluído socialmente, é preciso que a escola lhe transmita o conhecimento historicamente produzido e que deve ser apropriado por todos os alunos de forma indiferenciada. Assim, tem-se a clareza de que o aprendizado é o elemento essencial para garantir a inclusão social.
*Este texto é parte integrante do texto monográfico- especialização em História da Educação Brasileira- “Sala de Recursos Multifuncionais: apoios especializados à inclusão escolar de alunos com deficiência/necessidades educacionais especiais no município de Cascavel- PR”, da professora Claci Lima Bertuol (2010).
Magnífico. Parabéns pela harmonia da sequencia de textos. Lindo! Parabéns!
ResponderExcluirsó faltaram as referências né amiga
ResponderExcluirparabens.. ajudou muito..
ResponderExcluirgostaria de ter acesso a referencia bibliográfica
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiras referencias amigo ??
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá Helton, bom dia! Estive por longo período Sem abrir este blog, que fazia parte das atividades realizados em um curso.Por acaso abri hj e vi não só seus comentários como também de outras pessoas ...Confesso que não soube a forma correta de referenciar por esse motivo não o fiz corretamente.
ExcluirMas se puder auxilie nisso AMIGO.
NA POSTAGEM INFORMEI APENAS ASSIM:
*Este texto é parte integrante do texto monográfico- especialização em História da Educação Brasileira- “Sala de Recursos Multifuncionais: apoios especializados à inclusão escolar de alunos com deficiência/necessidades educacionais especiais no município de Cascavel- PR”, da professora Claci Lima Bertuol (2010).
AJUDE AÍ , POR FAVOR!!!!!
Boa noite!
ResponderExcluirO poster esta muito bom ,os conteúdos esta muito interessante,mas falta as referências para complementar o seu artigo.
bjss!!!
olá Luciana!!!
Excluiro artigo não é meu. eu colquei os créditos abaixo da postagem.
*Este texto é parte integrante do texto monográfico- especialização em História da Educação Brasileira- “Sala de Recursos Multifuncionais: apoios especializados à inclusão escolar de alunos com deficiência/necessidades educacionais especiais no município de Cascavel- PR”, da professora Claci Lima Bertuol (2010).